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Classificação de Couros “não é uma coroa”. “É uma obrigação acrescida”

Tiago Mendes Dias
Cultura \ sábado, setembro 30, 2023
© Direitos reservados
Ricardo Rodrigues vinca o muito a fazer, nas linhas de água, na manutenção do edificado, num “jogo de complementaridade”. Bruxelas pode ter financiamento direto para lugares como Couros.

Semana e meia depois de ver confirmada a elevação de Couros a Património Cultural da Humanidade, na assembleia-geral da UNESCO, decorrida em Riade, na Arábia Saudita, o coordenador da bem sucedida candidatura, Ricardo Rodrigues, confessa que a sensação predominante é de “um pouco de angústia por tudo o que ainda falta fazer”. “Não vejo isto como uma coroa. Vejo isto como uma obrigação acrescida”, diz o chefe da Divisão de Património Mundial e de Bens Classificados do Município.

O arquiteto falava enquanto membro do painel que interveio na apresentação da terceira edição da revista “Guimarães C Visível”, referente a 2023, ao final da tarde de sexta-feira, no designado Jardim da Fraterna. A publicação espelha as várias dimensões do conhecimento e do trabalho de comunidade em torno do designado Bairro C, nome que a Câmara Municipal de Guimarães deu ao projeto lançado em 2020 para reforçar as possíveis leituras urbanas da área entre Couros e a Avenida Conde de Margaride.

Os protagonistas dessa revista anual, gratuita, deambulam precisamente por esse espaço: o Centro Internacional das Artes José de Guimarães, pela voz de Marta Mestre, o Projeto Triangular, por Natacha Moutinho, o projeto artístico de fibras têxteis “Weave Up!”, por Susana Milão, Rita Amado e Mónica Faria, a sonoplastia daquela área, por Rui Miguel Dias, ou as práticas compartilhadas com o território a partir da Licenciatura em Artes Visuais, por Susana Gaudêncio, artista e docente da Universidade do Minho, que também interveio na apresentação de sexta-feira. O “C” desse bairro alarga-se ao princípio de “Carbono Zero”, com uma intervenção de Carlos Ribeiro, diretor executivo do Laboratório da Paisagem, e volta a incluir um texto de Ricardo Rodrigues.

A partir do diálogo com os moradores, emergiram algumas das necessidades sentidas: a de um parque infantil na área, por exemplo. Mas a valorização das linhas de água que ali passam é outro aspeto a ter em conta. “Quando a produtividade deixa de estar presente, no início do projeto CampUrbis, a água é um problema. Mas a água era a grande riqueza deste território”, vinca, prosseguindo a análise para os tanques. “Eles não têm solução óbvia. Já pensámos em centenas de ideias”.

Ricardo Rodrigues vincou ainda que a área recém-classificada, duplicando a Guimarães Património Mundial para um total de 38,4 hectares, deve vingar num “jogo de complementaridade” com o centro histórico previamente classificado, com a sua dinâmica própria, mas assegurando o mesmo rigor quanto à preservação do edificado, até porque o coração da cidade-berço consegue ser “uma cidade viva”, reunindo “muitos alunos e muitos dos professores a viverem no centro histórico”.

“Temos de saber reutilizar 200, 300, 400 anos de edifícios. Na Suíça, é difícil explicar o que vai demolir e como se vai demolir. A demolição ainda é entendida como algo normal”, diz, alertando para as contradições do que por vezes se ambiciona.

“Os nossos edifícios integram madeira, cal e palha, saibro. Essas técnicas são distintivas de Guimarães em relação a outros sítios do mundo, embora sejam técnicas simples. Têm sido apagadas a nível mundial. É muito importante entender que há uma contradição em presença: querermos uma janela de vidro duplo, quando o vidro duplo é mais espesso do que uma parede”, sublinha.

 

Guimarães C Visível 2023

Guimarães C Visível 2023

 

O financiamento de Bruxelas e a Nova Bauhaus Europeia

O presidente da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), António Cunha, também marcou presença na apresentação. Ainda se recorda de “tirar fotografias a espaços cobertos de silvas” na antiga Fábrica Âncora, o agora Centro de Ciência Viva de Guimarães, era ainda docente da Escola de Engenharia da Universidade do Minho (UMinho). Era 2004 e lançavam-se as sementes para o projeto CampUrbis que orientou a requalificação profunda de Couros para a Capital Europeia da Cultura em 2012.

O antigo reitor da UMinho lembrou a determinação da universidade em conseguir certas coisas, “sobretudo não visíveis”, como a aprovação do curso de Design de Produto. “Havia ali determinações da troika de que não podia haver mais licenciaturas. Convencemos Lisboa através de uma narrativa exacerbada, dizendo que, se não se criasse essa licenciatura, a candidatura de Guimarães a CEC iria entrar em incumprimento”, recorda.

Elogioso quanto à requalificação do Teatro Jordão, por entender que o financiamento para regeneração urbana teve um fim cultural, quando poderia, por exemplo, acabar numa nova rotunda, António Cunha sugeriu ainda que as Câmaras não negligenciem o financiamento direto da Comissão Europeia, pese o hábito português de recorrer aos fundos comunitários geridos a nível nacional, como o Portugal 2020 e o Portugal 2030.

Um dos exemplos que deu é da Nova Bauhaus Europeia, iniciativa lançada pela Comissão Europeia em 2021, para financiar projetos urbanos segundo os princípios da beleza, da sustentabilidade e da comunidade; Viana do Castelo, por exemplo, ganhou um concurso para propostas NBE em 2023. E a revista Guimarães C Visível dá o testemunho da Horta, nos Açores, pelas palavras de Rita Campos.

Há pouco tempo ligada a Guimarães, fruto da Licenciatura em Artes Visuais, Susana Gaudêncio afirmou estar num “território muito rico, com muitas camadas, um palimpsesto de história, património e de atividades” que estimula a arte enquanto meio de “intervenção no território, com praticas socialmente comprometidas”. O seu artigo na revista dá, aliás, conta de dois projetos de encontro entre estudantes e coletivos vimaranenses: o “Lápis Amarelo”, em parceria com a Casa da Juventude de Guimarães, e a “Horta no Convento”, em parceria com o coletivo artístico No Convento.

A sessão moderada por Elisabete Pinto, jornalista e investigadora sobre a história dos curtumes em Guimarães, contou ainda com a intervenção do vereador municipal para a cultura. Findo o horizonte de três anos para o Bairro C, Paulo Lopes Silva realçou que “não há como o projeto não continuar”, até porque ele deixou de pertencer à Câmara e já está enraizado na comunidade.

“O Bairro C não é um projeto da Câmara Municipal. É um projeto da comunidade e de todas as instituições que a compõem. Este é o primeiro ano foi à ausência do município em torno do projeto. A ideia era gerar o espaço vazio onde fomos deixando as sementes da ideia do que poderia ter sido esta zona da cidade”, descreve.

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