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Como fintar o calor? A “área quente” de Guimarães vai da cidade às vilas

Pedro C. Esteves
Ambiente \ terça-feira, agosto 23, 2022
© Direitos reservados
Em Guimarães as ilhas de calor estão dispersas e interconectadas. Uma “urbanização historicamente difusa” ajuda a explicar o fenómeno. E é“ fundamental salvaguardar áreas como a Penha”.

“Eu não saía de casa, era prisioneiro todo o tempo”. À sombra das poucas árvores que ensombram o Largo do Toural Francisco Freitas lembra aquela onde de calor de julho – o período de 1 a 17 desse mês foi o mais quente desde 2000. Fernando Costa adota uma estratégia semelhante para fintar o calor. Aqueles dias em que se bateram recordes de temperatura não foram fáceis para o reformado. "Na rua era para esquecer, é extremamente impossível parar aqui durante a tarde, é um deserto", diz. Refugia-se do sol no banco de granito perto do chafariz. Está prestes a aventurar-se e procurar refúgio noutra latitude.

Em casa ou à sombra, Francisco e Fernando tentam “enganar” o calor numa cidade que coleciona fachadas e com poucos espaços verdes perto do centro. Em Guimarães talvez nem se possa bem falar em “ilhas de calor urbano” – ou seja, a diferença positiva de temperatura entre meio urbano e meio não urbano. E isso deve-se à “urbanização historicamente difusa” do concelho. “O conceito de ilha de calor significa que temos uma área quente rodeada por uma área fresca. Em Guimarães isso raramente se vê, há várias ilhas, se assim lhes podemos chamar. Se há uma área quente no centro da cidade, também há nas vilas”, explica Catarina Pinheiro.

A professora convidada na Universidade do Minho e autora da tese de doutoramento “Análise por Deteção Remota do Processo de Urbanização Difusa e seu efeito Climático em Braga e Guimarães” explica que talvez seja mais indicado falar em rizomas ou amebas para ilustrar a realidade do concelho, tal é a dispersão e a interconexão das “ilhas”.

A pesquisa de Catarina Pinheiro foi feita a partir de imagens de satélite e analisou a temperatura de superfície dos dois concelhos vizinhos. As imagens recolhidas e analisadas pela investigadora mostram que Pevidém, por exemplo, “apresenta temperaturas de superfície muito elevadas”. Algo que deve “à presença industrial muito forte”. Vilas como Moreira de Cónegos ou Lordelo apresentam comportamentos semelhantes. “A ideia de calor citadino extravasa o centro da cidade, porque Guimarães não apresenta uma urbanização compacta”, complementa. Uma das maiores diferenças entre Braga e Guimarães, explica a geógrafa, prende-se com o modelo de crescimento: se Braga cresceu muito no interior do perímetro urbano, Guimarães desdobrou-se e formou várias ilhas de calor no território.

 

“É preciso uma visão holística, integrada no próprio território. É isso que muitas vezes falta quando se atua ao nível do clima”

“Bastante arborizada” em comparação com Braga, Guimarães tem na Penha e no Parque da Cidade duas ilhas de frescura. Ou seja, espaços que podem ajudar a arrefecer o território. É na montanha da Penha que se formam brisas que escoam para o centro urbano. Mas à medida que se constrói mais na sua encosta, o ponto mais elevado da zona urbana de Guimarães pode perder a capacidade de refrescar a cidade.

“É fundamental salvaguardar áreas como a Penha, manter a florestação, só assim são ilhas de frescura. Ao construir na encosta da Penha vamos impedir que o ar fresco que se forma consiga chegar ao centro da cidade. E isso é um problema sério, porque este ar não só contribui para arrefecer a cidade, mas também trocar o ar e remover os poluentes. Guimarães não está a acautelar esta dinâmica climática natural”, indica Catarina Pinheiro.

E há ilhas de frescura que se perdem. A vegetação que cobria a atual Urbanização Cães de Pedra formava uma ilha – ainda que sem comparação à da Penha – e estava próxima da cidade. Estes espaços podem ser essenciais para resguardar a população das cidades – que vai crescendo – de fenómenos como as ondas de calor, que se vão intensificar e “castigar” mais as áreas urbanas. E há algo que se pode fazer para mitigar os efeitos do calor extremo nas cidades? Sim, as medidas de melhoria do ambiente térmico estão estudadas e passam pela criação de espaços verdes, por aumentar as áreas de sombra, usar materiais de construção de baixa condutividade e com cores claras, ou colocar aspersores – em Guimarães, com o centro histórico classificado pela UNESCO, não sendo possível criar espaços verdes, esta pode ser uma solução para diminuir a temperatura.

Como “cada cidade é um caso” e Guimarães apresenta uma urbanização difusa, há um fator importante a considerar para implantar soluções: o território que escapa ao limite urbano da cidade. “Muitas vezes o que se faz neste território intermédio dita as condições climáticas do conjunto do município. Devem-se salvaguardar áreas ao longo das linhas de água, por exemplo”, salienta. Como o ar que se forma nas zonas mais altas escoa ao longo dos entalhes dos rios, é importante evitar a construção nestas áreas para que o ar possa chegar à cidade.

Para implantar soluções é preciso saber onde intervir. Só que “não há dados à escala local”. Catarina trabalhou com satélites; para operar à escala local seria necessário colocar no terreno uma rede de monitorização de temperatura. “É preciso uma visão holística, integrada no próprio território. É isso que muitas vezes falta quando se atua ao nível do clima. Muitas vezes quer-se trabalhar as alterações climáticas sem perceber como o clima funciona e ele está muito modificado nas áreas urbanas”, refere.

 

Outros trabalhos sobre o clima: o Toural e o Parque da Cidade

Para além dos trabalhos de Catarina Pinheiro com satélites, há pelo menos duas teses de mestrado que estudam as condições microclimáticas de Guimarães. Julião Marques colocou sensores a medir a temperatura do Largo do Toural no verão de 2016 e concluiu que durante a tarde o Toural se torna um mero espaço de atravessamento. Já Cláudia Teles estudou a influência climática do Parque da Cidade, tendo concluído que há “uma elevada diferenciação térmica” entre o espaço e o edificado circundante.

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