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Com o “calor do público”, o jazz fez de Guimarães vários lugares num só

Tiago Mendes Dias
Cultura \ terça-feira, novembro 23, 2021
© Direitos reservados
A composição “Elsewhere”, de Melissa Aldana, foi a última que se ouviu numa 30.ª edição de linguagens várias, marcada pelo regresso dos espetadores, mesmo sem as enchentes pré-pandemia.

Quase lotado, o Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor irrompeu numa salva de palmas para congratular a performance e as repetidas vénias da saxofonista Melissa Aldana, a solista daquele sábado à noite, do maestro Jim McNeely e de todos os restantes músicos da Frankfurt Radio Big Band.

Seguiu-se o encore, com “Elsewhere”, composição de Aldana que harmoniza as linguagens mais ortodoxas do jazz com a herança da música latina – a saxofonista é oriunda do Chile -, omnipresente no primeiro álbum do seu quarteto, Visions (2019), inspirado na obra da artista visual mexicana Frida Kahlo. No fim, outra ronda de aplausos, desta feita com todo o auditório de pé. Foi com um concerto repleto de diálogos instrumentais entre virtuosos ao longo de 1h15, pontuados pelas breves intervenções de Jim McNeely, que encerrou a 30.ª edição do Guimarães Jazz.

Para César Machado, antigo presidente do Convívio, a associação que esteve na origem do festival, essa foi uma das duas performances que se enquadrou na “grande corrente do jazz que vem desde os anos 20 e mantém muitas das suas características”.

“Tivemos uma programação rica e diversificada. Na corrente mais tradicional, tivemos o Frankfurt Radio Big Band com a Melissa Aldana e o Black Art Jazz Collective [18 de novembro], que, na linha do movimento hard bop dos anos 60, fez um excelente concerto”, adiantou ao Jornal de Guimarães.

 

 

Envolvido na organização de várias edições do Guimarães Jazz, o responsável salientou ainda a “linguagem contemporânea” do trio de Vijay Iyer, na abertura do dia 11, o “cruzamento do jazz com a música latina” do quarteto de Miguel Zenón, no dia 12, bem como o “som muito fresco” de Chris Lightcap’s Superbigmouth e a atuação do WHO Trio a partir da obra de Duke Ellington no dia 13.

“Um concerto que achei particularmente com uma qualidade acima da média foi o do WHO Trio. Não foi um concerto propriamente fácil, mas de uma qualidade, arrojo e competência incríveis. Se me pedissem para destacar um concerto, diria talvez esse. É o que me vai ficar na memória por mais tempo”, acrescentou.

Já a atuação da Big Band da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) e as oficinas com estudantes de jazz, ambas dirigidas pelo pianista Ryan Cohan, merecem-lhe elogios pela aprendizagem que proporcionam. “É daqueles projetos em que os frutos se veem mais tarde”, assinala César Machado. “Os alunos que têm a felicidade de participar nos workshops podem aprender mais naquelas duas semanas do que em muito tempo de aulas. Trabalham a um ritmo diferente com músicos de qualidade extraordinária”.

 

“Não vamos fazer cinco concertos do mesmo estilo, só porque tem público, corre muito bem e corresponde. Não podemos ser assim. Temos de criar massa crítica e de pôr as pessoas à prova no seu gosto”, Ivo Martins, diretor artístico do Guimarães Jazz.

 

Os 12 concertos tiveram um “nível muito bom”, com uma reação do público em linha com a que se viu no sábado, com a Frankfurt Radio Big Band e Melissa Aldana, resume o diretor artístico do Guimarães Jazz, Ivo Martins.

Depois de enaltecer a diversidade da primeira semana do festival, desde a “contenção” do trio de Vijay Iyer ao “experimentalismo” da atuação da Porta-Jazz com Inês Malheiro, o programador salienta ao Jornal de Guimarães a elevada afluência de público aos concertos num tempo ainda “muito flutuante”, com “novos números e novos contágios” relativos à covid-19, que motivam a reflexão quanto ao próximo Natal. “Não podemos querer que funcione como funcionava antes. Isto precisa de alguns anos para se regularizarem alguns hábitos”, reconhece.

Ivo Martins salienta ainda as “óbvias melhorias” quanto ao público, face ao ano passado, e também os “baixíssimos números da pandemia” em território português, que fizeram os músicos sentirem-se “com segurança”, nos concertos, nas jam sessions e nos workshops.

Com mais ou menos público, o Guimarães Jazz continua a afirmar-se pela complementaridade do programa. E quer continuar a fazê-lo, reitera o diretor artístico. “Imagine-se que há um concerto de um determinado estilo que corre muito bem e tem muito impacto. No próximo ano, poderemos fazer um concerto desses, mas não vamos fazer cinco concertos do mesmo estilo, só porque tem público, corre muito bem e corresponde. Não podemos ser assim. Temos de criar massa crítica e de pôr as pessoas à prova no seu gosto”, esclareceu.

 

“Os músicos dizem-me que adoram o festival. Disseram que é muito pouco tempo estar em Guimarães dois ou três dias, porque acham a cidade fabulosa. Isso significa que querem regressar”, César Machado, Convívio

 

O jazz, assinala César Machado, é “sobretudo uma música para se ouvir no momento e ao vivo”, que “precisa do calor do público”. Esse regresso das pessoas sentiu-se nos concertos e particularmente nas jam sessions; quer as do Convívio, na primeira semana, quer as do Vila Flor, na segunda, com o quinteto de Ryan Cohan, tiveram “um nível muito elevado”, mas, num tempo em que os músicos de jazz se “multiplicam” em Guimarães, a casa do século XVIII que acolhe a associação cultural fundada há 60 anos tem uma “magia” diferente.

“É um espaço único de jams. Há uma magia naquele local, histórica, por aqueles que já lá tocaram e pelo que se está a construir. Para nós, membros do Convívio, é muito gratificante. . Quando propusemos isto à Câmara, estávamos muito longe de imaginar que isto iria atingir esta dimensão”, esclarece.

Para o dirigente associativo, essa aura do Convívio contagia os músicos que ali tocam e molda a própria visão que têm do festival e de Guimarães. “Músicos como o Chris Lightcap dizem-me que adoram o festival. Disseram que é muito pouco tempo estar em Guimarães dois ou três dias, porque acham a cidade fabulosa. Isso significa que querem regressar”, afirma.

E as próprias memórias evocadas pela exposição 60/30, com fotos de Paulo Pacheco espalhadas pelas paredes, tocam quem as vê, diz César Machado. “O Chris Lightcap viu uma foto de uma jam em que tocou com o Matt Wilson há três anos. Todos os que já tinham vindo ao festival passaram pelo Convívio”.

 

Jam session do Convívio © Hugo Marcelo

Jam session do Convívio © Hugo Marcelo

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