A diferença que um ano faz: o sorriso de João Coelho
Combinamos encontrar-nos no fim do jogo. Quando falamos, uns minutos antes do apito inicial, deixou-nos o aviso: “só vou sair depois de os jogadores do Moreirense darem a volta no relvado”. Nós acedemos, não queremos que perca nada da festa. À porta da sede do Moreirense FC, com o verde da esperança e o branco da pureza a cobrir a Avenida Comendador Joaquim de Almeida Freitas, foi fácil identificá-lo: tinha a camisola axadrezada vestida, com o nome e o número 72 gravados nas costas. Uma camisola especial e que “significa muito” para quem a veste.
Para perceber a história de João Coelho é preciso recuar um ano. À semelhança do que aconteceu na tarde deste domingo, no dia 14 de maio de 2022 também se jogou em Moreira de Cónegos e também se festejou. O adversário era o Vizela, com o Moreirense a lutar pelo acesso ao play-off de manutenção. O resultado: 4-1 para os caseiros. Mas naquele dia uma goleada não era suficiente e era preciso esperar por um resultado condizente no encontro entre o Tondela e o Boavista para garantir os objetivos. Foi por isso que naquele dia, quando soou o apito final em Moreira de Cónegos, ninguém se dirigiu à saída.
Assim que o jogo acabou, os jogadores e a equipa técnica agruparam-se à volta de um pequeno ecrã para ver os minutos finais do jogo que decorria em Tondela. Na bancada, o nervosismo tomou conta dos adeptos: uns não queriam ver nem ouvir o que se passava longe dali e outros roíam as unhas enquanto acompanhavam o resultado dos beirões pelo telemóvel. No entanto, foi a imagem de João Coelho, com um rádio junto ao ouvido, que emocionou o país. A ânsia transformou-lhe a cara e, no fim, não conseguiu evitar as lágrimas. Para aquele adepto cónego, tinha sido um jogo normal. Pautado pela emoção, mas normal. Só quando chegou a casa é que se apercebeu que o país o tinha visto: “quando cheguei a casa, o meu genro perguntou-me se eu ia chorar para o campo do Moreirense, eu disse que não tinha chorado, mas ele já me tinha visto”.
Apesar de tudo, só dias depois, quando foi convidado para conhecer o plantel e a equipa técnica do Moreirense, é que percebeu a dimensão do momento que tinha vivido e protagonizado. Quando o encontramos vestia a camisola do Moreirense, a mesma que o clube lhe ofereceu há quase um ano. “Foi um orgulho muito grande para mim ser convidado pela direção, não estava nada a contar”, explica-nos. E é com laivos de vaidade e orgulho que veste aquela camisola: “fiz 72 anos no dia em que a direção me convidou e deram-me a camisola com o número 72 nas costas”.
A história ainda não tinha o capítulo feliz que João Coelho procurava. A alegria que sentiu no final do jogo em 2022 acabou manchada pela tristeza da despromoção, consumada poucas semanas depois. No play-off, o Chaves foi superior e o resultado agregado de 2-1 ditou a despromoção do Moreirense ao segundo escalão do futebol nacional. Um caminho que trilhou até agora. Ontem, no regresso da equipa ao Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas, o Moreirense comemorou o troféu de campeão e o regresso ao primeiro escalão. E João Coelho voltou a ser feliz.
Um ano depois, não foi preciso levar um rádio
Encontramos João Coelho à porta da sede do Moreirense FC precisamente um ano depois do dia em que emocionou o país. Estamos a 14 de maio de 2023. Procuramos uma sombra e pergunto-lhe se hoje também tinha trazido o rádio. “Hoje não foi preciso”, respondeu-nos com um sorriso. E apressou-se a dizer que não só não trouxe o rádio como também não chorou “como da outra vez”. Explica-nos que aquelas imagens precederam um momento de alegria, com a conquista do acesso ao play-off, mas depois seguiu-se outro de muita tristeza. Desta vez, pelo contrário, não há nenhuma nuvem escura a pairar em Moreira de Cónegos: “hoje não tenho palavras para dizer aquilo que sinto, é uma alegria imensa, não podia esperar mais desta equipa e o nosso objetivo está cumprido”.
A imagem de João Coelho ficou na memória coletiva dos cónegos. Por isso é que ainda hoje, quando chegou ao estádio, recebeu o carinho de desconhecidos que viveram as mesmas frustrações – e agora as mesmas alegrias – que ele. “Ainda hoje fui abraçado por muita gente, uns miúdos viram-me e vieram ter comigo, a dizer que finalmente nos conhecemos”. O ambiente era de festa e propício a abraços e emoções. Disse-nos que não chorou, mas vemos que tem dificuldade em segurar as lágrimas quando fala do Moreirense. Para acalmar as emoções, faz uma pausa: “quem vive estas coisas assim apaixonadamente não tem palavras para as descrever”.
Mais um dia
Para quem acompanha o Moreirense “desde sempre”, este foi só “mais um dia de alegria, de euforia”. Houve muitos. Alguns no primeiro escalão, outros nos escalões inferiores. Os últimos dias, ainda na Segunda Divisão, foram de felicidade: “estivemos aqui toda a noite na festa depois de jogarmos com o Estrela da Amadora, eles chegaram por volta das duas da manhã e depois foi a noite toda”. A jovialidade com que nos conta os episódios que vive com o Moreirense é, acreditamos, a mesma com que descarta as reprimendas da esposa que, de vez em quando, lhe diz que é “maluco” e que já não tem “idade para estas coisas”. Para este cónego, a idade não significa nada à beira de uma paixão tão antiga e poucas coisas são capazes de o afastar do seu Moreirense. “Enquanto Deus me der vida e saúde vou apoiar o Moreirense”, remata. Depois de uma vida a acompanhar o seu Moreirense, hoje foi mais um dia entre tantos outros que passaram e mais um entre tantos outros que estão para vir.