Carta aberta ao presidente da Câmara Municipal de Guimarães
Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, Dr. Domingos Bragança,
Não sendo a primeira vez que o faço, na realidade é a segunda em menos de um ano, pelas mesmas razões, dirijo-me a V. Exa., agora em Carta Aberta, para exposição da seguinte realidade:
Eu mesma citarei aqui a lei a que tal dá cobertura: “Em Portugal, o ruído está regulamentado através do Regulamento Geral do Ruído (RGR), publicado no Decreto-Lei nº 9/2007, de 17 de janeiro. Este diploma legal introduz, à semelhança do seu precursor Decreto-Lei nº 292/2000, de 14 de novembro, a consideração da variável ruído urbano em sede de planeamento”_ informação presente no site da Câmara Municipal de Guimarães_ cujo pedido pode ser feito através do requerimento Mod. 512/SQ, e que dá espaço às seguintes necessidades (indiscutíveis) e situações particulares (discutíveis): Obra de construção civil, Espetáculo de diversão, Lançamento de fogo, Desfile, Procissão, outros do mesmo âmbito, Karaoke ou música ambiente, Utilização de máquinas e equipamentos, Festas privadas, casamentos ou afins, Manifestação desportiva, Espetáculo na via pública, Altifalantes, Outros.
Antes de mais, julgo ser de interesse público esta presente divulgação de tal decreto e do subjacente requerimento, visto que, estou certa, a grande maioria da população vimaranense a desconhecerá e terá muito interesse na mesma. Poderiam pensar que tais pedidos são de interesse unicamente público e que as de índole mais particular estivessem sujeitas a outros discernimentos. Assim não é: temos todos o direito de apresentar tais pedidos na Câmara Municipal. Ainda somos uma cidade de casamentos, religiosos ou outros, e julgo que marcar essa festividade, ou outras, de forma alongada e ruidosamente, poderá ser do interesse de muitos, mesmo que com o desagrado e o desassossego impotente de muitos mais, mas pela ação do município de acordo com a lei.
Importa acrescentar a quem me lerá que tal situação não tem uma aprovação direta mediante a lei, mas está sujeita a uma avaliação por parte da entidade pública que V. Exa. representa, baseada no caráter de excecionalidade do pedido em questão. O caráter excecional prendeu-se, no verão passado, com um casamento, não sei a que festividade particular se prende agora, mas qualquer uma que seja, tal como a anterior, foi considerada. E se a anterior teve autorização até às 2h, esta festividade teve direitos acrescidos até às 3h. Não estarei a ironizar se deixar aqui a questão de que terão os munícipes de Guimarães de tolerar festividades de índole particular até às 8h porque e sempre dentro da lei esta assim o permite.
Estou certa, também, que terá sido feita uma avaliação de todas as solicitações e dentro do enquadramento legal, durante o decorrer de ambas as festividades, nomeadamente à intensidade do som (neste caso a intensidade da música e das manifestações verbais das vozes conjuntas dos presentes) e de que apenas a posição do vento tenha sido culpada da intensidade assoberbada e incomportável ao descanso dos, em grande número, munícipes que aqui vivem, mas aos quais não foi dado direito de opção na contrapartida de regozijo de alguns.
Mesmo sabendo o nome da Quinta que obteve tais autorizações (para as duas festividades a que me refiro), julgo ser de bom tom omitir o mesmo, pelo menos antes do conhecimento efetivo da razão de tal festividade. Poderiam levantar-se quesitos de importância social sobre a questão e não é a tal que se prende este assunto.
Estou certa de que perante os muitos pedidos que vão chegar a V. Exa será feita uma seleção equitativa às feitas porque isso acarretaria juízos de valor que, esses sim, seriam estranhos e condenáveis porque um casamento ou um aniversário é um casamento ou um aniversário de qualquer pessoa em qualquer lugar do município.
O que se pretende, efetivamente, com esta curta missiva é evidenciar, não uma opinião pessoal, mas uma argumentação pessoal sobre propósitos cívicos que se esperariam, e que como cidadã de um país com visão moderna e principalmente democrática, gosto de acreditar que nada está acima da lei, mas que a ética, o bom senso, o respeito, a equidade, o direito ao descanso, e tantos outros poderiam ser valores a ter em conta quando se tomam certas decisões públicas.
Desconhecendo as bases e propósitos de tais decisões, tem havido um certo afastamento de festividades públicas para locais mais periféricos da cidade. Julgo que serão ideias de índole protetiva em relação ao ambiente da cidade, nomeadamente sonoro, em termos gerais. Compreensível, mas por certo polémicas. No entanto, saem as festividades públicas do centro da cidade e são autorizadas festas particulares, porque sim.
Muitos vimaranenses não tiveram direito ao devido descanso na madrugada de domingo, Sr. Presidente, tal como há alguns meses também não tiveram, mesmo com horário de trabalho a cumprir ao domingo. Sem diferenciação para nenhum deles, porque o descanso é um direito de todos, até mesmo de quem não trabalha, vou apenas dar o exemplo de uma: estou certa de que terá havido médicos que terão tido serviço num hospital, na manhã de domingo, cedo, provavelmente em cirurgias delicadas porque as noites de sábado são, infelizmente, em várias vertentes, propícias a acidentes. Caberá a cada leitor sensato tirar as ilações sobre o acabado de referir, mais ainda quando os direitos de muitos se esvanecem perante o direito de poucos.
Grata pela atenção de V. Exa.,
Munícipe de Guimarães, Sílvia Fernandes