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As anti-leituras foram espaço de “liberdade” e “informalidade”

Tiago Mendes Dias
Cultura \ sábado, dezembro 17, 2022
© Direitos reservados
Sessões de teatro lido reuniram várias gerações no Espaço Oficina, criando-se “lugares de afetos”. A noite de 24 para 25 de abril, ao ler-se “A noite”, de Saramago, foi uma das mais “especiais”.

Mal soou a canção que fez cair o pano sobre a leitura de A cidade dos que partem, uma obra de Ricardo Alves e de Salgueirinho Maia, baseada no panorama cultural do Porto no período entre 2007 e 2008, as dezenas de leitores, organizados em duas rodas sobre o chão negro do Espaço Oficina, irromperam em aplausos. Daí, emergiram grupos mais pequenos, a trocar impressões sobre aquela noite, a última de um ano a conhecer teatro, ou simplesmente a abraçar-se, vislumbrando-se algumas lágrimas pelo meio.

Ao avaliar tudo o que viveu nas dezenas de Anti-Leituras de 2022, Sara Barros Leitão agradece o encontro de gerações que ali se viveu. “Tivemos a possibilidade de ter alunos das Oficinas do Teatro Oficina (OTO), dos 14 aos 16 anos, que não sabem ler a palavra “ímpio”, e que não faz mal nenhum, e ter pessoas com mais idade que estão fartas de saber o que isso significa, e nenhuma constrange a outra. Arranjam sempre forma de corrigir e de aprender em conjunto, nessa intergeracionalidade. É muito bonita a forma como, de 15 em 15 dias, as pessoas encontram um lugar de afetos”, realça ao Jornal de Guimarães, após a sessão de quarta-feira à noite.

Diretora artística do Teatro Oficina em 2022, a atriz, encenadora e dramaturga vê as sessões como um processo “para pensar teatro, para ficar mais crítico, para ser mais assertivo, para exigir mais coisas”, mas sem esquecer que o “mais importante de tudo são as pessoas” e a proximidade para com elas, evitando-se quaisquer “lugares de poder”.

“O mais importante de tudo são as pessoas. Não o faço num universo retórico, mas da prática: trata-se de saber o nome das pessoas que vêm, de lhes escrever e-mail a convidar para estarem hoje. Há uma informalidade na escrita e na forma como se convida as pessoas, para que o Teatro Oficina seja para qualquer pessoa que se cruze com aquilo, que o texto interpele a pessoa. Não quisemos criar lugares de poder, também opressores”, vinca.

Sara Barros Leitão enaltece o facto de as Anti-Leituras terem congregado pessoas não só de Guimarães, mas também de concelhos vizinhos – Braga, Famalicão, Porto -, e vê com bons olhos a continuidade das sessões de leitura, até porque a ideia deriva dos clubes de leitura que se reúnem em Coimbra, no Porto ou em Loulé. “Não inventei a roda. Trouxe-a para Guimarães, porque achei que uma cidade como Guimarães precisava de formas de ligar as pessoas aos textos. Tudo gravita à volta da ideia de teatro: peças escritas, o fazer, as aulas”, realça.

Ao examinar 2022, a autora elege a leitura de A Noite, de José Saramago, de 24 para 25 de abril, tal na ação da peça, cujo lugar é uma redação de um jornal, como uma das “mais especiais”. “Ouvimos a “Grândola” à meia noite, todos juntos. Demos cravos a toda a gente. Foi muito emocionante. Dentro da peça, tem o Depois do Adeus. Pusemos a música a dar, toda a gente cantou e passámos aqui a meia-noite. Estava muita gente. O teatro foi esse lugar de liberdade e o Espaço Oficina foi esse lugar de liberdade”, lembra.

 

Domingos Gonçalves participou em todas as sessões das anti-leituras © Paulo Pacheco

Domingos Gonçalves participou em todas as sessões das anti-leituras © Paulo Pacheco

 

“Ambiente fabuloso” num “projeto válido”

A leitura de A Noite é também a que mais sobressai na memória de Domingos Gonçalves, um dos cerca de 30 leitores reunidos na quarta-feira no Espaço Oficina. “É pela carga emocional que representa, precisamente porque foi lida de 24 para 25 de Abril. Até esse cuidado a Sara teve, e foi colossal. Há várias de que gostei, mas essa em particular”, frisa o leitor ao Jornal de Guimarães.

Domingos participou em todas as sessões de leitura, depois de ter tido conhecimento da iniciativa através do site da Oficina. O facto de “reunir ideias e escrever”, embora sem publicar até agora, a não ser o prefácio para um livro de fantasia – Shadders, o servo das sombras, de Luís Oliveira -, motivou-o a comparecer.

“Fui desafiado por uma antiga formanda do Teatro Oficina a escrever uma peça de teatro. Achei que uma forma muito válida era a de participar. De umas sessões para as outras, ficou a ideia de reunir e de trabalhar esses textos. Não gostei de todos, mas foi muito interessante estudá-los”, analisa.

Olhando para 2022, o leitor elogia, sobretudo, o ambiente que ali se criou: “O facto de não haver pressão alguma sequer para ler o texto, de poder sair à hora que quiséssemos, de ter ainda aquele brindezinho do biscoito ou do copo de vinho, tornou o ambiente fabuloso. Não havia como não vir para quem tem interesse pela escrita”.

Convencido de que o anti-leituras é um projeto “válido”, Domingos Gonçalves realça que a iniciativa precisa de “um mentor”, de “alguém que escolha textos”, de “um espaço físico” para ter “pernas para andar”. “Acredito que, entre os muitos que aqui presentes, haja interesse em continuar. Mas tem de haver alguém que pegue nessa ideia”, perspetiva.

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