Antes de o ser em Portugal, o Natal vivido na cidade de Vaibhav e Hetal
Uma das recordações mais antigas de Vaibhav Shah envolve o Natal: “Lembro-me de estar na cidade velha de Ahmedabad e de os meus pais me dizerem para irmos ver o Pai Natal. Teria quatro ou cinco anos. Era um sítio com luzes muito coloridas”. A celebração cristã sempre fez parte da vida deste investigador de 44 anos: as decorações pelas ruas, as árvores de Natal, as estrelas a brilhar às varandas e as visitas às casas de amigos cristãos, com iguarias típicas à mistura: o bolo de ameixa ou o mewa laddu, com frutos secos.
À semelhança de outras latitudes da Índia, a cidade de oito milhões de habitantes reúne cristãos, muçulmanos, hindus e budistas, unidos por traços culturais comuns e pela língua gujarati, uma das 22 oficiais no país. “A Índia é um país laico, mas tem feriados públicos para as principais celebrações religiosas, entre elas: o Diwali, para os hindus, o Eid al-Fitr, para os muçulmanos, o Natal para os cristãos”, descreve.
Em Guimarães desde 2007, ano em que se vinculou à Universidade do Minho para realizar o doutoramento em inteligência artificial, Vaibhav encontrou um Natal com mais alegria nas casas cristãs. Em Ahmedabad, os seus amigos cristãos expunham em destaque a imagem de Cristo crucificado. Em Portugal, sobressaem as luzes às varandas. E igrejas como a de Nossa Senhora de Oliveira, com o órgão que tanto aprecia, transmitem “uma boa energia”.
Desde que chegou ao país, nunca esteve só na transição de 24 para 25 de dezembro. Está, portanto, muito grato. “No meu primeiro Natal cá, o meu vizinho de apartamento convidou-me para ir à casa da tia dele, em Famalicão. Sou vegetariano, mas experimentei bacalhau para respeitar a tradição. Não gostei muito. Comi as batatas e as couves”, ri-se. Desde então, foi sempre recebido “com muito carinho” no Natal e em demais festividades, por amigos que já considera a “sua família portuguesa”.
Em 2018, de volta à sua terra, Vaibhav conheceu a esposa, Hetal. Também ela conhecia bem as celebrações de Natal: “Tenho uma amiga muito próxima que é cristã. Costumava ir com ela à igreja e via como as pessoas celebravam o Natal”, recorda. Hetal mudou-se para Portugal em 2019 e, no início, sentiu-se quase alienígena, perante as diferenças culturais e de escala. A atenção das pessoas com que se foi cruzando em Guimarães mitigou a falta do barulho a que estava habituada. “Têm-me feito sentir como se estivesse em casa.
Uma das razões para nos mantermos por cá é essa”, realça. Em Portugal, não há dezembro sem Natal, daí não sentirem tanta falta de passar esta quadra em Ahmedabad. Já a ausência do Diwali, festividade maior da Índia, repleta de luzes por cinco a sete dias, entre outubro e novembro, faz-se sentir no casal que segue o vaishnavismo, uma das linhagens espirituais da cultura hindu.
“Temos uma grande conexão familiar com o Diwali, mas aqui passa despercebido”, confessam. Ainda assim, regressaram à cidade que os viu crescer em dezembro de 2021. Foi a oportunidade para Vaibhav evocar a memória que o acompanha desde criança. “Fui Pai Natal para a nossa sobrinha”, diz.
No fundo, afirmaram a ligação entre Portugal e o Guzerate, vincada em inúmeras palavras comuns às duas línguas nativas: chave, pão, padre. E, claro está, Natal.