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A vida cultural do burgo estende-se à Condessa do Juncal e a Donães

Tiago Mendes Dias
Cultura \ sábado, agosto 28, 2021
© Direitos reservados
Este agosto tem sido repleto de cinema e música nas duas praças, demonstrando que há vida no centro histórico para lá de Santiago e da Oliveira.

Na quinta-feira à noite, dezenas de pessoas reuniram-se perante um grande ecrã para se despedirem de mais uma edição do Cinema em Noites de Verão, a 33.ª. O filme foi A Desaparecida (1956), clássico de John Ford que é tido pelo Instituto Americano de Cinema como o melhor western da história. A busca de Ethan Edwards - interpretado por John Wayne – pela sobrinha Debbie (Natalie Wood), numa trama que lida com racismo, obsessão e solidão, passou ao ar livre, no Largo Condessa do Juncal.

Já assim acontecera com as sete películas anteriores desta edição e com os nove filmes exibidos em 2020. Embora influenciada pela pandemia, a mudança da Oliveira para a praça da antiga feira do pão não tem retorno, assegura o presidente do Cineclube de Guimarães, Carlos Mesquita. O motivo é simples: o largo Condessa do Juncal atrai gente que se desloca propositadamente para ver o filme, ao contrário da Oliveira, onde o público do cinema se misturava com o das esplanadas.

“Na Oliveira, passávamos filmes para quem ia ou não ia. Temos menos pessoas, mas há uma diferença fundamental. Quem vai à Condessa do Juncal, vai para ver cinema. As pessoas vão ao encontro do filme. Na Oliveira, os filmes iam ao encontro das pessoas”, sintetiza.

A mudança, enfim, “separou as águas” entre os públicos que se misturavam na Oliveira e deu uma outra coisa ao ciclo fundado em 1989: uma “sala de cinema ao ar livre”, fruto do envolvimento das árvores. “Há uma separação física entre o centro da praça e o resto, devido à sebe e às árvores. Constitui um espaço autónomo, que parece uma sala de cinema ao ar livre. A praça valoriza as nossas sessões pelo enquadramento arbóreo”, acrescenta.

Mas Carlos Mesquita admite que o fluxo de aficionados de cinema àquela praça tem um “efeito colateral” positivo para os cafés em redor, semelhante ao verificado na Oliveira há 32 anos, quando a praça tinha só dois cafés. “Animámos a Oliveira, quando só havia lá a Medieval e o Coconuts. Mais de uma década antes da Capital Europeia da Cultura, o Cineclube animou o centro histórico”, recorda.

Agradado com a “simpatia” dos estabelecimentos locais – “emprestaram-nos guarda-sóis para proteger o equipamento quando estava Sol” -, o dirigente associativo considera que a relação de valorização recíproca entre Cineclube e largo Condessa do Juncal está já em marcha. “A praça valoriza o Cineclube com aquele espaço, e o Cineclube valoriza a praça ao levar lá gente”, resume.

 

“Temos menos pessoas, mas há uma diferença fundamental. Quem vai à Condessa do Juncal, vai para ver cinema. As pessoas vão ao encontro do filme. Na Oliveira, os filmes iam ao encontro das pessoas”, Carlos Mesquita, presidente do Cineclube de Guimarães

 

Mas aquele pedaço do antigo burgo vimaranense tem sido palco de outras manifestações artísticas; musicais, principalmente. Ainda nesta sexta-feira, acolheu o primeiro dia do Vai-m’à Banda, com Chinaskee e Filipe Sambado, depois de um julho com concertos do Guimarães Allegro, festival de música erudita, e de um agosto que teve performances como a de Flak, músico com quatro décadas de carreira que esteve ligado, entre outros, aos Rádio Macau.

Nos cafés do edificado à volta, este ímpeto é benvindo. “Os comerciantes queixavam-se de que o largo não tinha muita vida e que as pessoas iam todas para a Oliveira. Pode ser que as pessoas comecem a dar mais valor a este largo, uma zona muito bonita da cidade”, adianta ao Jornal de Guimarães Rita Laranjeiro, do Rimas e Tabuadas.

Em funcionamento há quatro anos, por iniciativa de Sílvia Lemos, professora de Matemática, o café tem um programa cultural próprio, com apresentações de livros, sobretudo – acolheu o poeta Carlos Poças Falcão e, em junho, foi palco da apresentação de O Primeiro, de Paulo César Gonçalves -, mas também concertos – Guimarães Noc Noc.

 Aberto principalmente de dia, o Rimas e Tabuadas estende agora o seu horário quando há eventos noturnos na praça. “Abrimos de dia, mais ou menos até às 19h00. À noite, só abrimos na altura de eventos. Agora temos estado abertos no Cinema em Noites de Verão e também na altura em que houve o Contar Poetas”, esclarece a responsável.

Ciente de que as pessoas ainda “não estão muito habituadas” a frequentar a praça, Rita Laranjeiro confirma que os eventos culturais estão a “dar mais vida ao largo”, abrindo-lhe horizontes para o futuro.

 

 

Uma praça cada vez mais à “mostra”

Cinco anos depois de voltar a ser praça, Donães tem um pulsar diferente; a intervenção realizada entre abril e junho de 2016 demoliu o edifício no seu coração - a Casa dos Pobres -, e recuperou a clareira que ali existira, com base nas plantas do século XVI e de 1863. Abriram-se novas perspetivas das fechadas em redor, instalaram-se novos cafés e restaurantes e perdeu-se a oficina de Gaspar Carreira, ferreiro. Naquele recanto próximo da Oliveira, a marca cultural não tardou a notar-se, fosse com o Passa à Praça, ciclo de música rock organizado em 2016 ou em 2017, ou a performance “Encarnado”, promovida pela Capivara Azul em abril de 2019.

Entre marés altas e baixas de oferta cultural, o largo voltou a dar música ao centro histórico neste agosto. Criada há dois anos para “organizar festivais” e “gerir carreiras de músicos”, a promotora EasyGig organizou concertos por streaming em fases mais severas da pandemia, a partir do Convívio, e lançou-se neste verão para uma nova proposta ao ar livre: o Donães à Mostra. O intuito é dar à praça algo mais do que os cafés e os restaurantes em torno. “Guimarães já tem muita cultura, mas porque não fazer alguma coisa numa praça nova. Foi aí que surgiu o Donães à Mostra, e está a resultar muito bem até agora”, diz ao Jornal de Guimarães Pedro Berbereia, um dos dois fundadores da EasyGig.

A edição inaugural termina este sábado com o DJ set de Barões, às 19h00, e o concerto de Jubilee, projeto a solo de José Manuel Gomes (This Penguin Can Fly). É a conclusão de um programa que preencheu quase todos os sábados e domingos de agosto com 11 propostas, maioritariamente portuguesas, mas também de fora, como os galegos Caldo, a banda que atuou nesta sexta-feira à noite.

Concebido apenas em meados de julho, o festival arrancou a 08 de agosto, com Oh see disco!, um dia depois do fim do L’Agosto. Outro dos organizadores, José Melo, viu que havia uma lacuna a explorar, ainda para mais numa época em que os turistas afluem à cidade. “Vimos que agosto era um mês muito vazio, com aquelas duas semanas no meio. Há muitos turistas e fica uma cidade cheia de gente sem evento nenhum”, reitera.

O primeiro Donães à Mostra custou cerca de quatro mil euros, tendo o apoio da Associação do Comércio Tradicional de Guimarães (ACTG) e de três dos estabelecimentos comerciais em redor, mas o esforço tem desembocado numa praça mais viva ao fim de semana.  “Temos muito mais afluência durante o fim de semana, e mesmo à semana, por causa dos eventos. O povo vem à praça porque gosta do ambiente calmo, mas também sabe que ao fim de semana pode ver uma coisa mais animada com os amigos e a família”, afirma o responsável.

Para José Melo, o evento é um contributo para diversificar a vida do centro histórico, habitualmente concentrada na Oliveira e em Santiago. Pedro Berbereia concorda. “É uma forma de não estar tudo concentrado na Oliveira e em Santiago. Já havia algum movimento por aqui à noite, mas não era o que estamos a ter agora. Não se compara”, afirma.

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