A diferença está nos “pormenores”. Os degraus a ultrapassar com deficiência
Um carro estacionado em cima de um passeio, um menu de restaurante estrategicamente colocado no meio do piso à vista de possíveis clientes, um lancil que não esteja nivelado à altura do asfalto parecem inofensivos, mas para quem anda de cadeira de rodas ou não vê, rapidamente se tornam em obstáculos intransponíveis.
Nos últimos anos, tem existido uma maior preocupação em desenvolver a acessibilidade de Guimarães para pessoas com deficiência com o alargamento de algumas ruas, mudança de pisos, sonorização de semáforos e até implementação de passadeiras táteis. Embora haja quem compare Guimarães às maiores cidades de Portugal em termos de inclusão dos seus espaços, a cidade ainda não atingiu um patamar ideal.
“É visível que obras que à partida para pessoas com mobilidade reduzida já comecem a ser mais bem encaradas. Os passeios são baixados, já existem rampas e menos escadas. No entanto, é só uma questão de experimentar e as dificuldades continuam. O território do concelho é muito grande e continua a ser difícil circular por Guimarães. Mas é uma realidade transversal ao país.”, começa por dizer Sofia Pires, rosto do projeto Plural e Singular, uma revista digital que procura informar acerca da inclusão e diversidade.
Sem passeios que considere confortáveis, Armindo Rodrigues é um exemplo de quem sente a dificuldade de andar pelo paralelo. Nasceu com artrogripose congénita múltipla. Aos 11 meses de idade, a sua mãe foi aconselhada pelo ortopedista a que Armindo praticasse natação para desenvolver a sua autonomia de movimentos.
Apesar de mais autónomo, ainda precisa de ajuda de muletas e por vezes cadeira elétrica, com as quais vê os seus movimentos ficarem limitados pelo piso da zona do centro histórico. “É um mau piso, as muletas prendem-se nas pedras, algumas estão levantadas e por isso já tive várias vezes para cair, não consigo movimentar-me bem. Além disso, pode ser um problema para as cadeiras, porque a instabilidade leva a que se estraguem mais rápido”, diz.
Em pleno Centro Histórico, há somente seis espaços abertos ao público (num total de 69) se podem considerar acessíveis, uma vez que possuem acessos adequados e WC adaptados.
Normalmente os problemas têm a ver com a quantidade de paralelo existente nos pisos da cidade, mas podem ir mais longe com a ausência de casas de banho adaptadas que se verifica em pleno Centro Histórico.
Num estudo do Departamento de Geografia da UMinho, de 2016: “Turismo Acessível em
Guimarães. Oportunidades e desafios para uma cidade inclusiva”, a análise ao Centro Histórico indica que somente seis espaços abertos ao público (num total de 69) se podem considerar acessíveis, uma vez que possuem acessos adequados e WC adaptados. Apesar de se compreender que para alguns espaços a adaptação é muito difícil ou quase impossível, noutros edifícios, como o Museu Alberto Sampaio, “é incompreensível que aconteça, nomeadamente no que respeita à inexistência de WC adaptados”.
“É um pequeno grande pormenor. Qualquer pessoa deveria ser autónoma para fazer a circulação, não se deveria presumir que alguém vai empurrar a cadeira ou que se deveria evitar ingerir líquidos. Mesmo famílias em que possam ter miúdos com mobilidade reduzida, de 15 ou 20 anos, não vão passear porque também não há condições para fazer mudas de fralda e têm de ir para casa fazer porque não há condições em lado nenhum”, partilha Sofia Pires.
“A central de camionagem é um perigo para pessoas cegas e absolutamente inacessível para pessoas que andem de cadeira de rodas. Atravessar aquele espaço é um verdadeiro totoloto”
Marta Pinheiro sofre de Glaucoma Congénito, o que a faz ter apenas algum resíduo de visão. Todos os dias, a vimaranense recorre ao transporte público como forma de se deslocar para o seu trabalho e todos os dias se encontra com “um exemplo gritante” das lacunas de Guimarães no que diz respeito a facilitar a autonomia de pessoas com deficiência.
“A central de camionagem é um perigo para pessoas cegas e é absolutamente inacessível para pessoas que andem de cadeira de rodas. Existem locais de embarque que implica atravessar vias de circulação de autocarros que não estão sinalizadas, a própria luminosidade é terrível, os próprios motoristas queixam-se que não vêm as pessoas, por vezes. Não tem piso tátil, apenas duas passadeiras que não estão sinalizadas, atravessar aquele espaço é um verdadeiro totoloto”, diz.
Para conseguir contornar esse problema, muitas vezes precisa de pedir aos motoristas que a deixem fora da central “porque se eu desembarcar lá dentro eu não consigo sair em segurança”. O facto de ser constantemente confrontada com este tipo de constrangimentos, leva a que Marta exerça alguma pedagogia com quem vai lidando.
“Mandei email à Câmara para sensibilizarem os motoristas que as paragens podem ter pessoas cegas, para se virem uma pessoa com uma bengala para parar porque nós não sabemos para onde vão os autocarros. Disseram-me que iriam mandar um e-mail para a Transdev, uma resposta completamente ao lado do que eu disse no email”.
Se por um lado Marta sente que estes problemas poderiam ser atenuados através da sensibilização, também sabe que diz respeito à regulamentação, já que “muitas das vezes, pequenos problemas que seriam facilmente resolvidos, nem estão previstas nos regulamentos municipais. Tem de ser obrigatoriamente mais discutido. Porque isto põe muito em causa a autonomia das pessoas”.
No geral, a cidadã acredita que a inclusividade da cidade é positiva e que acompanha as grandes cidades do país, como Lisboa e Porto, mas reconhece que existe algum esforço no dia a dia, porque a mentalidade das pessoas ainda não está muito sensível e “não se lembram e não se põem no lugar do outro”.