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26 anos depois, trabalhadores da Dextra vão receber “uma ninharia"

Carolina Pereira
Sociedade \ terça-feira, maio 04, 2021
© Direitos reservados
O tribunal finalmente avança com a divisão de créditos aos trabalhadores da antiga empresa Dextra. A verba contabilizada é de 1,3 milhões de euros, mas só serão distribuídos 453 mil pelos operários.

Após mais de duas décadas, antigos funcionários da fábrica de malhas Dextra estão prestes a receber os créditos relativos à insolvência da empresa têxtil da freguesia de Briteiros Santo Estêvão, que veio a falir no ano de 1995. Uma história que mesmo a quem nela participa suscita dúvidas e confusão, com um enredo e um processo de insolvência conturbados e demorados, a que só agora o Juízo de Comércio de Guimarães deu conclusão, com o rateio dos créditos.

Concluída a contabilização de créditos, o prazo para reclamação decorre até 5 de maio. O administrador de insolvência propõe o prazo de 10 dias, caso não existam reclamações, para pagar a todos os lesados. Em caso de ocorrência de reclamações, o processo pode voltar a adiar a data para o pagamento dos direitos dos trabalhadores.

Ao Jornal de Guimarães, Maria Rosa, antiga operária e membro do sindicato têxtil, confessa o desejo de, após 26 anos, receber o dinheiro que lhe é devido, ainda que seja uma "ninharia".  “Estou desejosa, depois de tantos anos. É uma grande injustiça porque trabalhei 17 anos pela empresa e tinha direito a sete mil e tal euros e só vou receber 1900 euros. Há quem vá receber 10 mil, 14 mil e se o dinheiro era para ser repartido, não está justo. Justo era dividir tudo por igual. E eu gostava de saber onde está o resto do dinheiro. A fábrica foi vendida pelo tal milhão e nós gostávamos de saber para onde foi todo o dinheiro. Se não pagam à segurança social, se não pagam às finanças, gostava de saber para onde vai o resto do dinheiro. Pessoas que trabalharam menos anos do que eu vão receber muito mais”, desabafa.

 

“Há qualquer coisa que falha aqui”, diz antigo funcionário

Tal como Maria Rosa refere, o tribunal contabilizou cerca de 1,3 milhões de euros em créditos devidos aos trabalhadores, sendo que, no geral, os lesados vão apenas receber 453 mil euros. A justificação está no facto da verba que resultou da liquidação de todos os ativos da Dextra, onde se incluem os 550 mil euros do edifício onde funcionava a fábrica, não ser suficiente para pagar a todos os que reclamaram créditos.

Manuel Mafra já não estava empregado na Dextra quando tudo se sucedeu, mas depois de vários anos a trabalhar naquele local, ainda sente curiosidade em tentar perceber, tal como muitos, que voltas se deram a este caso.

“Há qualquer coisa que falha aqui e levantam-se algumas questões, até porque nem todos os dados foram bem guardados. As pessoas que não se associaram ao sindicato têm direitos? Não deram o nome e saíram para não ter problemas. Para onde vai o dinheiro dessas pessoas que lá trabalharam e não o recebem? Tenho o caso da minha cunhada que não deu o nome. Quem me diz que haverá pessoas que não trabalharam lá e vão receber esse dinheiro? Há coisas que não batem certo e quem lá trabalhou 30 anos não sai beneficiado. Vão receber muito pouco. As pessoas já estão por tudo e dizem que mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”, partilha o antigo operário.

 

Vala, pneus em chamas e polícia de intervenção

A Dextra fechou em maio de 1995 e deixou salários em atraso aos 170 trabalhadores. Deitam-se culpas à tensa greve organizada pelo sindicato, com o intuito de fechar as portas da empresa.  Durante 10 dias, os funcionários boicotaram a indústria.

Abriu-se uma vala em frente ao portão para os carros não passarem, fizeram-se fogueiras com pneus a arder para ninguém entrar na empresa, rodearam a área com mato e até forças de intervenção foram chamadas ao local para acalmar o frenesim. Manuel Mafra acredita que “os funcionários foram empurrados pelo sindicato, porque existia pouco conhecimento da parte deles para planear o que se fez. Ainda hoje não sabemos os interesses que estão por trás”.

A corroborar com este pensamento, Maria Rosa relembra: “Eles não nos deviam nada. Havia pouco trabalho e havia um senhor que era o porteiro, o senhor Peixoto, que quando deixou de se relacionar com os patrões, virou a fábrica ao contrário. Ele chamou-nos e convenceu-nos, ao sindicato, a avançar com a greve. Não ganhámos nada, só anos à espera. O objetivo era fechar a empresa. Mas depois cerca de 30 trabalhadores não pararam de trabalhar. Era contra eles que estávamos revoltados naquela greve. Se hoje a fábrica continuasse a laborar, eu estava lá a trabalhar. Eu gostava muito de trabalhar ali. O senhor Peixoto é que nos deu a volta à cabeça. Depois perdemos salário e trabalho”, aponta.

Além disso, outros contratempos se deram para com o pagamento no âmbito do processo de insolvência, como foi o caso da morte do presidente da Comissão de Credores, ou a baixa médica da responsável da Segurança Social no processo, ou até mesmo o julgamento dos patrões da empresa, que acabaram absolvidos do crime de insolvência dolosa.

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